A vida de mães negras no Brasil está intrinsecamente conectada a questões sociais que vão além do ambiente familiar. Ao mesmo tempo em que enfrentam desafios como o racismo estrutural e a violência obstétrica, também desempenham papéis essenciais na construção de comunidades mais resilientes.
Em tempos de maior visibilidade sobre desigualdades sociais, entender as experiências dessas mulheres é mais do que necessário: é urgente.
Segundo o Guia Novas Perspectivas sobre Infâncias Negras, as histórias de mães negras e suas crianças precisam ser abordadas na mídia sob um viés antirracista. Isso inclui reconhecer as heranças históricas da escravidão, que ainda impactam diretamente suas vidas.
Essa urgência está refletida em dados e iniciativas que começam a ganhar mais espaço, mas ainda enfrentam a resistência do preconceito enraizado.
Dados recentes do estudo Nascer no Brasil 2, realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), revelam que essas mulheres são desproporcionalmente afetadas.
Um dos maiores desafios enfrentados pelas mães negras no país é a violência obstétrica, que atinge especialmente mulheres com baixa escolaridade, usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS).
Dados recentes do estudo Nascer no Brasil 2, realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), revelam que essas mulheres são desproporcionalmente afetadas.
Entre os relatos, estão negligências durante o parto, desrespeito à autonomia da gestante e práticas que colocam em risco a saúde física e mental.
A violência obstétrica e o desafio de ser mãe no Brasil
A Fiocruz destaca que adolescentes e mulheres acima de 35 anos também enfrentam maior vulnerabilidade. No entanto, a cor da pele e o nível de escolaridade aparecem como marcadores fundamentais para entender por que as mães negras são as mais expostas a esses riscos.
Esses dados trazem à tona um problema que é, antes de tudo, estrutural: a desigualdade racial afeta diretamente o acesso e a qualidade dos serviços de saúde no Brasil.
Embora alguns estados já tenham avançado na criação de políticas públicas para coibir a violência obstétrica, ainda há um longo caminho a percorrer.
Projetos de lei que buscam definir e punir essas práticas estão em tramitação, mas enfrentam resistência política e cultural.
Enquanto isso, mães negras continuam lidando com a sobrecarga emocional e física de um sistema que frequentemente as ignora.
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A primeira infância negra sob o impacto do racismo
Os desafios não terminam no nascimento. Crianças negras, desde cedo, enfrentam barreiras que prejudicam seu pleno desenvolvimento.
De acordo com o relatório Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil, elaborado pelo UNICEF e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a taxa de mortes violentas intencionais entre adolescentes negros é 4,4 vezes maior que a de brancos.
O racismo não é uma abstração; é uma realidade vivida cotidianamente pelas famílias negras.
A pobreza, o acesso desigual à educação e a falta de políticas públicas efetivas contribuem para um ciclo de exclusão que começa na primeira infância e se estende por toda a vida. Para mudar essa narrativa, é necessário ir além das estatísticas e ouvir as histórias de quem vive na pele essas dificuldades.
Foi com esse objetivo que o UNICEF lançou, em 2023, a estratégia PIA – Primeira Infância Antirracista.
A iniciativa busca promover práticas antirracistas em serviços de saúde, educação e assistência social, atuando diretamente em comunidades vulneráveis. Mais do que uma campanha, é uma tentativa de construir um futuro em que as crianças negras possam crescer sem o peso das desigualdades que marcaram gerações anteriores.
Maternidade negra e a necessidade de uma nova narrativa
O racismo estrutural não afeta apenas as mães negras individualmente; ele molda a forma como suas histórias são contadas – ou, muitas vezes, silenciadas.
O Guia novas perspectivas sobre infâncias negras aponta para a importância de uma cobertura jornalística que respeite e amplifique as vozes dessas mulheres, em vez de perpetuar estereótipos.
“Não existe uma única maneira de representar a diversidade das infâncias negras brasileiras. Cada criança é única, com suas próprias histórias, sonhos, potencialidades e desafios sociais. É importante que os meios de comunicação reflitam essa multiplicidade, evitando generalizações e estereótipos” Fonte: Guia novas perspectivas sobre infâncias negras
Reconhecer a força e a resiliência dessas mães não é romantizar suas dificuldades, mas sim trazer à tona a necessidade de uma transformação profunda nas estruturas sociais.
Isso inclui a criação de políticas públicas que promovam a equidade racial e o fortalecimento de redes de apoio que possam aliviar a carga que essas mulheres carregam sozinhas por tanto tempo.
Ao mesmo tempo, é fundamental que o debate sobre racismo e maternidade negra não fique restrito às páginas dos jornais ou a discussões acadêmicas. Ele precisa chegar às escolas, aos consultórios médicos, às salas de reunião e, principalmente, às mesas de decisão política. É nesses espaços que a mudança efetiva pode acontecer.
O impacto de iniciativas como o guia, os dados da Fiocruz e os programas do UNICEF mostram que há caminhos possíveis.
No entanto, o sucesso dessas ações depende da mobilização de todos: mães, educadores, profissionais de saúde, jornalistas e legisladores. Porque a luta por justiça social não é apenas das mães negras – é uma responsabilidade de toda a sociedade.
Este artigo não pretende esgotar o tema, mas abrir uma conversa que precisa ser continuada, com mais vozes e mais histórias.
Afinal, as experiências de mães negras no Brasil são um espelho das nossas desigualdades e, ao mesmo tempo, uma inspiração para superá-las.