Você já parou para pensar quanto vale o trabalho que sustenta a sociedade?
Não estamos falando de grandes multinacionais nem de startups inovadoras. Estamos falando do cuidado.
Aquele trabalho que acontece todos os dias nas casas, nos lares e nos bastidores, muitas vezes sem remuneração e, mais importante, sem reconhecimento. Esse cuidado, realizado majoritariamente por mulheres, vale bilhões.
Talvez você nunca tenha ouvido falar no termo “economia do cuidado“.
Apesar disso, você provavelmente já viveu ou vive de perto a realidade dela.
É o trabalho que envolve cuidar de crianças, idosos, pessoas com deficiência e até zelar pelo bem-estar de outras pessoas dentro ou fora de casa.
E claro, quase sempre, quem está por trás disso são mulheres. Essa economia invisível tem um grande impacto na sociedade – e nas mulheres que a sustentam.
Então vamos esclarecer as coisas.
O que é a economia do cuidado?
Vamos começar pelo conceito e significado de economia do cuidado?
A economia do cuidado representa todos os trabalhos voltados para o cuidado de outras pessoas. Esses trabalhos podem ser remunerados, como na profissão de cuidadoras, babás, empregadas domésticas ou professoras de educação infantil.
Mas o ponto central – e o mais problemático – é que grande parte desse trabalho ainda é feito gratuitamente dentro dos lares, por mães, esposas, filhas e outras pessoas, em sua maioria mulheres.
Para se ter uma ideia da dimensão disso, relatórios de grandes organizações, como a ONU e a Oxfam, apontam que mais de 75% do trabalho de cuidado não remunerado em todo o mundo é realizado por mulheres.
Esse “trabalho invisível” é essencial para que a sociedade funcione, mas sua importância frequentemente passa despercebida. Sem ele, o mundo simplesmente pararia.
Pergunte para si mesma: quem cuida de uma criança para que seus pais possam trabalhar?
Quem limpa a casa? Quem prepara as refeições?
E, em momentos de crises, como a pandemia de COVID-19, quem muitas vezes arca com o peso emocional e físico de cuidar de quem está doente?
Se pararmos para refletir, ver que esses trabalhos sustentam a sociedade e a economia não é exagero – é um fato.
Quanto vale o trabalho das mulheres na economia do cuidado?
Falemos de números. Segundo o relatório da Oxfam de 2020, o trabalho de cuidado não remunerado gera um valor de pelo menos 10,8 trilhões de dólares por ano ao redor do mundo.
É dinheiro suficiente para dar uma volta olímpica nas economias de muitos países.
Se fosse uma empresa, a economia do cuidado estaria no topo da lista das mais valiosas do planeta.
E no Brasil? A economia do cuidado tem um impacto gigantesco.
O IBGE estima que 11% do PIB nacional seria proveniente do trabalho de cuidado não remunerado, caso esse trabalho fosse reconhecido formalmente ou remunerado de alguma forma.
Em outras palavras, trilhões estão sendo produzidos por dedicação e esforço – mas sem retorno financeiro para quem realiza essas atividades.
Então, por que isso não é valorizado?
Por que o trabalho de cuidar ainda é tratado como uma “obrigação” das mulheres?
É uma pergunta que ecoa em movimentos feministas há décadas. Não é que o cuidado não tenha valor. Ele é simplesmente invisibilizado porque é gratuito.
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O trabalho de cuidado é um peso desproporcional para as mulheres
Imagine uma mulher que trabalha fora e precisa, ao chegar em casa, cuidar dos filhos, arrumar a casa e preparar o jantar.
Essa sobrecarga é tão comum que ganhou um nome: “a jornada dupla”.
Muitas mulheres enfrentam isso todos os dias, conscientes ou não de que estão assumindo responsabilidades que deveriam ser divididas.
Essa desigualdade é histórica. Por muito tempo, esperou-se que as mulheres fossem cuidadoras naturais, como se cuidar fosse algo “inato” ao gênero feminino.
E essa ideia reforçou uma divisão de papéis que ainda é difícil de desmontar.
Os homens, historicamente, assumiam os papéis de provedores econômicos, enquanto as mulheres cuidavam do lar e da família.
Na sociedade atual, essa lógica já não faz sentido. Mais mulheres do que nunca estão no mercado de trabalho, muitas vezes contribuindo tanto ou mais que seus parceiros financeiramente.
No entanto, a expectativa de que elas sejam responsáveis pelo cuidado permanece. É como se, independentemente de seus empregos e ambições, as mulheres ainda fossem automaticamente “designadas” para esse papel.
Isso tem consequências práticas.
Mulheres que dedicam muito tempo ao cuidado não remunerado têm menos tempo e oportunidades para progredir em suas carreiras. Elas enfrentam maior desigualdade salarial, dificuldades para acumular patrimônio e até riscos mais altos de pobreza na velhice. Tudo porque seu trabalho essencial foi tratado como secundário.
O papel da pandemia em expor a crise do cuidado
Durante a pandemia de COVID-19, a necessidade de cuidado se intensificou. O fechamento de escolas e creches, aliado a sistemas de saúde sobrecarregados, jogou o peso do cuidado ainda mais sobre as famílias – particularmente sobre as mulheres.
Relatórios indicam que muitas perderam seus empregos ou reduziram suas jornadas para lidar com as novas demandas de cuidado em casa.
Por outro lado, a crise ajudou a escancarar algo que sempre esteve presente: sem o cuidado, o mundo realmente para.
Enquanto médicos e cientistas lidavam com o vírus, era o trabalho invisível, dentro de cada casa, que mantinha famílias funcionando. Cozinhar, limpar, ensinar as crianças, prestar apoio emocional – tudo isso dobrou de importância, mesmo que informalmente.
A pergunta é: por que foi preciso uma pandemia para percebermos o peso desse trabalho?
E será que agora, com tantas lições aprendidas, realmente faremos algo para reconhecê-lo?
A valorização do cuidado começa em casa e na política
A solução para essa desigualdade não é simples, mas ela começa na base.
O cuidado não deve ser uma responsabilidade apenas das mulheres. Homens precisam fazer parte dessa conversa, tanto no lar quanto na sociedade.
Dividir tarefas domésticas, por exemplo, não é um favor; é justiça.
Ao mesmo tempo, mudanças estruturais dependem de políticas públicas. Países mais desenvolvidos investem significativamente em creches, licenças parentais igualitárias e serviços para idosos. Tudo isso não só facilita a vida de quem cuida, mas promove mais oportunidades para que as mulheres se desenvolvam profissionalmente.
No Brasil, muito ainda precisa ser feito.
O acesso a creches públicas é limitado, e políticas que incentivem a divisão do trabalho de cuidado são praticamente inexistentes.
Reconhecer formalmente o trabalho de cuidado como parte integrante da economia também é um passo essencial.
Afinal, o que não é contado, não é valorizado.
O futuro do cuidado: igualdade e reconhecimento?
É preciso imaginar um futuro onde o cuidado não seja mais invisível. Onde cuidar não seja uma obrigação imposta a um gênero, mas um trabalho digno e respeitado.
Um futuro onde esse trabalho essencial para o funcionamento da sociedade seja visto pelo que ele realmente é: um pilar.
E talvez esse futuro esteja mais próximo do que parece. O simples ato de falar sobre a economia do cuidado já é um passo importante.
Reconhecer que essa não é uma luta individual, mas um movimento coletivo, pode trazer mudanças reais.
E enquanto isso, alguma coisa precisa mudar dentro de cada casa.
Se você é uma mulher sobrecarregada pelo cuidado, talvez seja hora de começar a redistribuir o peso.
E se você é um homem – ou alguém que observa de fora –, talvez seja hora de participar desse esforço.
Porque, no final, reconhecer o valor bilionário das mulheres na economia do cuidado é também uma forma de reconhecer o valor da própria vida que todos nós compartilhamos.
Comente! Seria um prazer ter seu ponto de vista.
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